Luz e sombra

Se há coisa que um fotógrafo sabe bem é que o mundo tem apenas duas dimensões. Todos os outros, os seres que observam a partir de dois olhos e não de uma objetiva, julgam habitar paralelepípedos e percorrer túneis cilíndricos feitos de abóbadas e arcadas. O fotógrafo sabe que, na verdade, deslizamos entre linhas e traços que a luz desenha e apaga como se fosse um lápis: numa ponta grafite e negrume, noutra ponta borracha e candura. Tentando imitá-la, homens e mulheres traçam também eles linhas que refletem ou recolhem luz. Nesse jogo procuram emular aquele mundo em que pensam viver, habilmente invocando luz e sombra, trapaceando o olho para que perceba espaço onde há só linhas. Criam-se assim palimpsestos temporários: o homem desenhando, convocando a luz, e a luz desenhando por cima, revelando ou obscurecendo o que o homem desenhou. Acordando numa manhã de inverno neste mundo bidimensional, a mulher encobre a cabeça de maneira a refletir toda a luz, agarra na carteira e vai à sua vida.  

Texto para fotografia de Paulo Pimenta, anteriormente publicado em: http://www.tknt.pt/episodios/uma-imagem-vale-mil-palavras-mil-caracteres-uma-imagem-2/

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