Um ensaio sobre superfícies de inscrição e instâncias de legitimação
«’Stop writing on walls’, pode ler-se na parede de uma casa de banho feminina de uma Faculdade de Letras portuguesa. A frase remata: ‘start writing for real’. O apelo parece razoável, mas levanta mais perguntas do que aparenta. Nomeadamente: o que significa writing for real?
Iniciando um trabalho de tradução que inclui uma tentativa de perceber a intenção da autora, a ideia parece ser a de exortar a que se deixe de escrever nas paredes (e vou deixar passar o paradoxo em relação ao meio escolhido para a inscrição que contém esse conselho) e se passe a escrever a sério. Só que este sério também levanta problemas. Imagino que a sério signifique neste caso: de forma estruturada, coerente, linear, progressiva, em direção a uma obra mais extensa, que poderá ser eventualmente reproduzida em formato livro (é uma longa presunção, mas sendo a autora anónima, não posso pedir-lhe que a confirme ou desminta). Mas porque é que publicar, tendencialmente em livro, seria mais sério ou mesmo mais real, em duas possíveis versões da expressão inglesa for real na nossa língua? A frase escrita no livro é mais séria ou real do que a frase proclamada ao vento, sussurrada ao ouvido, lançada em aviões de papel, enviada em carta postal, ou escrita numa parede?» […]
Publicado na revista Forma de Vida nº 21, Agosto 2021. Continua em https://formadevida.org/asabinofdv21.