[Escrevo enquanto rego as plantas]

Escrevo enquanto rego as plantas. Em cada uma delas encontro uma voz, um sussurro, um roçagar de folhas que podia ser de saias, de páginas ou de lábios. Estão vivas, sentem, e eu sinto-as: absorvo-as pelos sentidos.

Há, no correr da água, um murmúrio fiel, das coisas terrenas que vertem para um rumo certo, prometendo ao mundo mares no momento e no lugar onde, no sólido fluxo, vemos reflexos; os nossos reflexos.

Não há, neste gesto, nada de supérfluo. Um encontro místico dos elementos disfarçado de ato quotidiano. Não fossem os atos quotidianos, também eles, rituais místicos diários num universo que fingimos compreender.

Fechar a tampa de uma caneta: e impedir que o ar que nos sustenta faça secar a tinta. Para estar viva, a tinta há de ser fluida, até que desça do seu tubo de marfim e se resigne a manter-se hirta na forma exata de uma letra.

[25.NOV.2022]

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